Doação do bem de família x fraude a credores

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça manifestou o entendimento de que a doação do bem de família não configura fraude a credores. A posição da 3ª Turma do STJ ocorreu no julgamento do Recurso Especial Nº 1.926.646 – SP, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em fevereiro de 2022.

A Ação principal foi movida por uma agência estadual de São Paulo em face do devedor insolvente que doou seu único imóvel aos seus três filhos menores de idade. A agência buscava o reconhecimento da fraude contra credores com a consequente declaração de nulidade da doação feita, de forma a possibilitar a constrição do imóvel para quitação da dívida.

O débito, no valor de quase R$ 2 milhões e meio, era decorrente da cédula de crédito bancário emitida em favor da agência, na qual o Réu constou como avalista (devedor solidário) da outra empresa devedora.

Porém, a empresa devedora deixou de pagar algumas parcelas e foi executada junto ao avalista. Durante a execução, a agência tomou conhecimento de que o avalista havia doado um imóvel aos seus filhos, motivando o ingresso da demanda.

A sentença da ação foi de procedência para anular a doação feita e, desta decisão, é que foi apresentado o Recurso pelo devedor solidário. Um dos fundamentos do Recorrente era de que o imóvel sempre foi bem de família, logo, impenhorável.

Assim, ante a garantia legal de impenhorabilidade do bem de família, já existente antes mesmo da dívida, a doação aos descendentes não mudou a situação impeditiva da constrição, visto que, se anulada a doação, o imóvel voltaria à propriedade dos Recorrentes e seguiria sendo impenhorável. No caso, não haveria que se falar em fraude contra credores por clara ausência de prejuízo ao credor.

Inclusive, no voto foi destacado que o STJ “tem conferido a mais ampla proteção ao bem de família, promovendo, quando cabível, a interpretação do art. 3º da Lei 8.009/90 mais favorável à entidade familiar”.

Portanto, dentro de um planejamento sucessório ou na busca por segurança dos bens de família, a doação é sempre uma possibilidade a ser pensada, até mesmo porque em alguns estados, o Imposto de Transmissão “causa doação” incide em um percentual menor que o imposto “causa mortis”, sendo uma das ferramentas para a blindagem patrimonial familiar.

Keyse Guedes, advogada na Lamachia Advogados Associados

Foto em destaque: freepik/Kate Mangostar

Keyse Guedes
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