Novidade legislativa: dispensa de assinatura de testemunhas em contrato celebrado eletronicamente com assinatura digital

A recente Lei nº 14.620, de 13 de julho de 2023, batizada como Lei do Novo Programa Minha Casa, Minha Vida – NPMCMV, promoveu alteração substancial no artigo 784 do Código de Processo Civil ao admitir, nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, e, por consequência, dispensar a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.

Em que pese o Código de Processo Civil de 2015 ter suprimido parte do texto original de 1973 da norma legal que elenca os requisitos para constituição dos títulos executivos extrajudiciais, fato é que não houve supressão da obrigatoriedade de que o documento particular também seja subscrito por duas testemunhas, além do devedor.

O requisito de constituição da força executiva não colide com a norma legal geral prevista no artigo 221 do Código Civil, no qual, ainda em 2002, já havia sido retirada a exigência da assinatura de testemunhas. A especialidade trazida no artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil, como dito alhures, deflagra a executividade do instrumento particular.

A jurisprudência dos Tribunais pátrios, especialmente, do Superior Tribunal de Justiça, antes da inovação legal ora abordada, já havia admitido, excepcional e casuisticamente, a mitigação dos requisitos do título executivo quando a certeza da existência do ajuste celebrado entre as partes for demonstrado por outros documentos idôneos que formam o caderno processual ou pelo próprio contexto fático-probatório, especialmente, quando o devedor não impugna a existência, validade e eficácia do documento particular.

Afinal, a mens legis da norma legal inserida no artigo 784, inciso III, do Código de Processo Civil está correlacionada ao reconhecimento da idoneidade probatória do instrumento particular, a fim de tornar o seu conteúdo exigível judicialmente pela via executiva imediata. As testemunhas teriam natureza meramente instrumental, o que justifica, inclusive, a irrelevância de as assinaturas serem apostas posteriormente à data de emissão do documento.

Vale ressaltar que o artigo 6º da MP nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 prevê que o par de chaves criptográficas será gerado sempre pelo próprio titular e sua chave privada de assinatura será de seu exclusivo controle, uso e conhecimento. Isto é, a assinatura digital no contrato eletrônico tem o condão de comprovar que o usuário que a criou igualmente concordou com o teor do documento assinado digitalmente.

Nesse sentido, se o próprio devedor assina eletronicamente o documento particular, utilizando qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, não há razão de permanência da exigência da assinatura de testemunhas, as quais tornam-se despiciendas.

Ademais, a flexibilização autorizada pela jurisprudência pátria, notadamente do Superior Tribunal de Justiça, também tem por fundamento a revolução tecnológica, eis que, como acertadamente julgado no Recurso Especial nº 1.495.920/DF, de relatoria do saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, nem o Código Civil, nem o Código de Processo Civil se mostraram totalmente permeáveis à realidade negocial vigente e, especialmente, à revolução tecnológica que tem sido experimentada no que toca aos modernos meios de celebração de negócios.

Portanto, a controvérsia há muito instaurada acerca da condição de título executivo extrajudicial de instrumento particular celebrado eletronicamente e sem a assinatura de testemunhas restou apaziguada por meio da alteração legislativa promovida pela recente Lei do Novo Programa Minha Casa, Minha Vida – NPMCMV.

Dra. Angélica Salvagni, advogada da Lamachia Advogados.

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Angélica Salvagni