Limites à oferta de locação por meio de plataformas digitais

O condômino, enquanto proprietário do imóvel, pode dispor livremente do seu bem em plataformas digitais de hospedagem, tais como Airbnb, Booking.com e Vrbo?

Muitos leitores, proprietários de imóveis, podem acreditar que sim, mas na condição de condôminos, enganam-se quando partem da premissa da obrigatoriedade de aceitação, pelo Condomínio, da utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem por curto ou curtíssimo prazo.

Em que pese a legislação especial – Lei de Locação nº 8.245/1991 – tipificar a locação para temporada como aquela contratada por prazo não superior a noventa dias, o entendimento jurisprudencial dos Tribunais brasileiros, especialmente, do Superior Tribunal de Justiça, a distingue daquela oferecida por meio de plataformas digitais de hospedagem, como Airbnb, Booking.com e Vrbo.

Enquanto a locação típica para temporada, nos termos da Lei do Inquilinato, se destina à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel e outros fatos que decorrem tão somente de determinado tempo, contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel; a locação atípica por meio de plataformas digitais de hospedagem, por sua vez, não se enquadraria na referida definição legal, pois nela estariam intrínsecas a eventualidade e a transitoriedade, particularidades decorrentes do curto ou curtíssimo prazo em que contratada.

Segundo a interpretação dos Tribunais, a locação por curto ou curtíssimo prazo poderia colocar em risco o sossego, a salubridade e a segurança do condomínio e dos demais condôminos, em razão da alta rotatividade de pessoas estranhas e sem compromisso duradouro com a comunidade na qual estão temporariamente inseridas.

Consequentemente, ao excluir a locação por meio de plataformas digitais de hospedagem do tipo legal previsto no artigo 48 da lei especial, a jurisprudência pátria –  ao mesmo tempo em que legitima e confere razoabilidade a eventuais restrições impostas nas convenções condominiais, na linha do disposto nos artigos 1.333 e 1.334 do Código Civil – impõe barreiras no tratamento diferenciado às plataformas digitais de locação, que muito contribuíram com o desenvolvimento do setor do turismo e da economia brasileira nos últimos anos.

É preciso esclarecer que a diferenciação no tratamento somente é justificável, consoante o entendimento da jurisprudência, especialmente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de condomínio edilício de fim exclusivamente residencial, pois a disponibilização das unidades particulares para locação de curto ou curtíssimo prazo poderia implicar no desvirtuamento da finalidade residencial, sob pena de negativa de vigência aos artigos 1.332, III, e 1.336, IV, do diploma civil.

A referida restrição sequer afrontaria o direito de propriedade do condômino (art. 5º, XXIII, da CF/88), eis que, à época da aquisição da propriedade, esse já possuía conhecimento de sua finalidade estritamente residencial e, consequentemente, da limitação à exploração da unidade autônoma.

Em que pese o cenário acima desenhado, o qual deve ser analisado e ponderado de forma casuística, a jurisprudência, paralelamente, legitima a soberania e fortalece a força obrigatória das atas assembleares, possibilitando aos próprios condôminos de um condomínio edilício de fim residencial deliberarem em assembleia a permissão da utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem através de oferta em plataformas digitais, podendo, futuramente, incorporar a alteração da finalidade na convenção do condomínio.

A temática ora enfrentada também é objeto do Projeto de Lei nº 2.474, de 2019, que possui por objetivo a alteração da Lei nº 8.245/1991, justamente, para disciplinar a locação de imóveis residenciais por temporada por meio de plataformas de intermediação ou no âmbito da economia compartilhada. O PL, que está tramitando perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, recentemente foi redistribuído ao Senador Efraim Filho para emitir relatório e possui Parecer minutado datado de 17/12/2019, no qual restou afirmado que a oferta de imóvel residencial para locação por meio de aplicativos não se choca com o objetivo da Lei do Inquilinato, que é o dinamizar o mercado de imóveis para locação.

Ao contrário do afirmado no Parecer do PL 2.474/2019, a temática é controversa e poderia ser sanada a partir da alteração legal, por meio da tipificação da locação por curto ou curtíssimo prazo. Por ora, deve ser observado o entendimento da jurisprudência que imputa à convenção de condomínio reger o assunto, respeitado o quórum necessário à vedação da oferta de locação por meio de plataformas digitais de hospedagem ou à alteração da destinação do imóvel.

Dra. Angélica Salvagni, advogada da Lamachia Advogados.

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Angélica Salvagni